Análise:Guerra fiscal entre Estados tem situações bem distintas
A presidente pediu à sua equipe que refaça as contas do valor que a União terá de bancar com as mudanças para tomar uma decisão final.
A tendência, segundo a Folha apurou, é o governo desistir da proposta caso não consiga um acordo para derrubar, no plenário do Senado, as modificações feitas ontem na comissão.
A alteração que mais desagradou o governo ampliou o alcance da alíquota de 7% de ICMS interestadual sobre os produtos que deixam as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e no Estado do Espírito Santo para serem vendidos no resto do país.
O governo havia concordado em fixar o percentual de 7% nestas regiões apenas para produtos industrializados e agropecuários, mas uma emenda aprovada ampliou o benefício para comércio e serviços, que originalmente ficariam com alíquota de 4%.
A modificação deixa em desvantagem as regiões Sul e Sudeste, que terão alíquota de 4%. O governo tentará reverter essa alteração para dar sobrevida ao projeto.
Em minoria na comissão, os Estados do Sul e do Sudeste também foram derrotados na votação sobre a alíquota de 12% para a Zona Franca de Manaus e outras áreas de livre comércio na região Norte. Queriam reduzi-la para ao menos 7%, para diminuir a vantagem dessas áreas para atrair
indústrias.
Perderam também na votação que fixou em 12% o ICMS interestadual do gás importado.
Logo depois da aprovação, Dilma se reuniu com o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o seu secretário-executivo, Nelson Barbosa, para analisar o resultado.
Depois, Barbosa deu entrevista em que sinalizou que o Planalto pode enterrar a proposta que o próprio governo encaminhou e vinha apostando como grande reforma tributária na área do ICMS.
O secretário disse que o governo vai avaliar se vale a pena prosseguir [com a votação]. Essa é uma ampliação muito além da que tínhamos concordado, afirmou.
Para compensar as perdas que Estados teriam com as mudanças no ICMS interestadual, o governo se comprometeu a criar um fundo de compensação. Os cálculos iniciais, antes das mudanças feitas pelos senadores, estimavam o valor total deste fundo em R$ 450 bilhões.
Sem o fundo bancado pela União, a reforma do ICMS fica inviabilizada.
Além do custo financeiro, o governo teme ainda efeitos políticos negativos da proposta, que entraria em vigor no ano eleitoral.
A preocupação política ganhou peso maior depois de Dilma receber, na semana passada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que alertou sobre o custo elevado que a reforma impõe a São Paulo.
Por outro lado, o Planalto teme se indispor com as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, consideradas vitais para a reeleição de Dilma.
Análise: Guerra fiscal entre Estados tem situações bem distintas
LUÍS EDUARDO SCHOUERI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Louvável esforço para a racionalização do nosso sistema tributário, a emenda constitucional 18/65 não conseguiu afastar a tributação do consumo por Estados (hoje ICMS) e municípios (ISS). Passo corajoso foi a não cumulatividade do ICMS, afastando a tributação em cascata que agredia a livre concorrência.
Após mudança no Senado, governo pode desistir de reforma no ICMS
Desde o início, previu-se o crédito do imposto pago noutro Estado, com o escopo de reduzir desigualdades regionais: nas operações destinadas a Sul/Sudeste (fora Espírito Santo), o Estado de origem cobraria 12% da operação e este seria reconhecido pelo Estado de destino.
No caminho inverso, a origem ficaria com 7% e o restante iria para o destino. Para combater a antevista guerra fiscal, a LC 24/75 vedou a isenção sem convênio, o que não foi suficiente. Só há pouco o STF adotou posição firme pela inconstitucionalidade dos benefícios.
Nessa guerra fiscal há situações bastante distintas. Em alguns casos, os benefícios dependiam da efetiva implantação de empreendimentos industriais em regiões desfavorecidas.
Os Estados alegam que agiram por causa da inoperância da União na redução das desigualdades regionais e lutam para a anulação dos benefícios não ser retroativa.
Noutros casos, houve verdadeiro abuso. Chegou-se a implementar programa visando a atrair centros de distribuição (não fábricas), em que mero passeio de notas fiscais rendia o recolhimento da diferença de alíquotas e permitia ao contribuinte pagar parcela ínfima do imposto e manter crédito de 12%.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Ademais, o Brasil adota o princípio do destino que desonera suas exportações, o que implica restituição do imposto que foi pago em etapas anteriores.
Se a etapa anterior ocorreu noutro Estado, o exportador deixa de cobrar o imposto e deve creditar o imposto pago nas operações anteriores, o qual ele não recebeu.
Se o bem vem do exterior, o imposto é pago na importação e o Estado de destino fica com todo o imposto.
Ou seja: é melhor negócio investir em portos que em estradas. Implantado o porto, o Estado ainda exacerba a guerra fiscal, incentivando as importações para consumo noutro Estado.
Essa guerra dos portos deveria ser afastada pela resolução 13 do Senado, com a adoção da alíquota interestadual de 4%. Ao limitar essa alíquota a produtos importados, entretanto, criou-se o problema da determinação do conteúdo importado no bem vendido.
Melhor andaria o Senado se a alíquota valesse para todas as operações de importação (exceto consumidor final) e interestaduais.
Fonte: Folha de São Paulo - SP