São Paulo (AE) - O Ministério da Fazenda publicará na próxima terça-feira uma portaria para dar início ao processo de mudança na contabilidade do setor público, com o objetivo de aproximá-la dos padrões internacionais. A informação foi dada com exclusividade pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao AE Broadcast Ao Vivo, por ocasião do sexto aniversário deste serviço da Agência Estado.
Segundo o ministro, o Brasil trabalha com padrão de contabilidade do passado, feito em época de inflação alta e déficit fiscal também elevado. Inventamos conceitos de contabilidade que não existem em nenhuma outra parte do mundo. Usar conceitos de superávit ou déficit primário, nominal, operacional, tudo isso é invenção brasileira. Era para esconder a miséria da situação fiscal do passado. Como nós já evoluímos, estamos sólidos hoje, temos contas fiscais bastante equilibradas, temos de avançar para uma contabilidade praticada nos principais países do mundo, disse o ministro, explicando que os conceitos universais são simplesmente de superávit ou déficit fiscal - o que chamamos de nominal hoje - olhando o resultado fiscal total.
Com isso, as contas do País deixarão de omitir as maiores despesas do governo, como a de juros, ao mesmo tempo em que passarão a incorporar valores patrimoniais não contabilizados atualmente, como o da participação da União no patrimônio da Petrobras.
A mudança, segundo Mantega, é semelhante a já feita pelo setor privado desde o ano passado. Tudo ficará mais visível no setor público, disse o ministro, citando sobretudo as três maiores despesas da União, que são as da Previdência (cerca de R$ 180 bilhões estimados para 2008), juros (cerca de R$ 170 bilhões projetados para o final do ano) e folha de pagamentos (aproximadamente R$ 130 bilhões por ano).
Juros
“Um ponto porcentual de alta de juros custa ao País mais de R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões por ano, calculou o ministro. Quando se fala em superávit primário, estamos omitindo ou deixando de lado as despesas com juros, que na verdade são as maiores da União, se considerarmos que a Previdência deve ter receita de R$ 140 bilhões, ao lado das despesas, e que isso resulta em déficit de R$ 40 bilhões.
Além disso, a mudança no padrão de contabilidade permitirá melhor avaliação do patrimônio total da União, disse o ministro. Na contabilidade atual, ressaltou ele, há valores patrimoniais não contabilizados atualmente, como o da participação da União em 30% no patrimônio da Petrobras. Isso representa cerca de R$ 60 bilhões que não são contabilizados como patrimônio da União, disse Mantega.
A Petrobras, explicou ele, participa do primário, então as despesas da empresa - mesmo os investimentos - contam como despesas da União. A Petrobras tem que cumprir meta de superávit, então, fica amarrada. Se quiser alçar vôos maiores de investimentos, como os que serão necessários agora com as descobertas do pré-sal, fica limitada, porque isso aumenta os gastos primários.
Avaliações
Com a mudança, a Petrobras poderá sair do primário, admitiu Mantega e toda a relação da estatal com a União terá de ser repensada. Mas tudo isso ainda está em estudos e precisam ser avaliadas as vantagens e as desvantagens. No caso da Petrobras, disse Mantega, uma desvantagem é perder o primário da Petrobras de cerca de R$ 14 bilhões, mas a vantagem é ter incorporado seu patrimônio ao da União.
A Secretaria do Tesouro Nacional deverá dar início a um conjunto de ações para permitir a mudança a partir da publicação da portaria, que envolverá também uma ampla discussão com Estados e municípios. O processo, segundo Mantega, deverá estar completado até 2010. Trata-se de uma evolução da contabilidade, que dá mais transparência e visão mais clara de quanto vale o Estado, qual é o seu patrimônio, qual o valor dos ativos públicos e assim por diante, resumiu o ministro.
No último dia 4, o ministro havia afirmado que em algum momento o governo optaria por ter meta fiscal nominal e eliminar, segundo ele, a distorção dos números criada por trabalhar apenas com o resultado primário. Isso causa a ilusão de que o pagamento de juros não é um gasto do governo. Temos que mudar a contabilidade, apesar de eu já estar procurando olhar para o dado nominal, disse ele, na ocasião. A partir da publicação da portaria, na terça-feira, o processo terá sido iniciado, de fato.
Fonte: Jornal da Cidade