O Banco Central e a regulamentação do mercado

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A crise bancária deflagrada no segundo semestre do ano de 2008 apresenta repercussão no presente e, seguramente, no porvir, haja vista que a assimetria do sistema produtivo repousa no capitalismo financeiro revelando fundos e demais investimentos que alteram profundamente a origem capitaneada pela Revolução Industrial.

Com efeito, a coabitação possível diz respeito à inflação em sobressalto e o reduzido crescimento econômico, os dados estatísticos americanos e europeus precisam combater o endividamento público e o descontrole da moeda.

O Banco Central brasileiro tenta impor sua autonomia e autorregulação, nos moldes das leis nº 4.595, de 1964, e nº 4.728, de 1964, ambas necessitando de pontual reforma para sincronizarem com a sociedade globalizada e os mercados de investimento e risco.

Enfrentamos as vicissitudes da taxa de juros e a redução é medida inteligente para combater a recessão, reduzir a inadimplência e incrementar o consumidor perante o próprio mercado.

Contudo, ponto nevrálgico descansa no entrechoque de interesses entre o Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), porquanto as políticas bancárias e de mercado, ao contrário, não são colidentes, simplesmente aprimoramento e aperfeiçoamento do modelo.

Nesse diapasão, ainda que por maioria de votos, tenha o Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatora ministra Eliana Calmon, no REsp 1094218/DF, decidido no sentido da competência exclusiva do Banco Central para processos societários de fusão.

O Cade não pode ficar sujeito ao comando único e exclusivo do Banco Central
Em que pese o respeito devotado ao entendimento exarado, a posição complementar do Cade não se sobrepõe ao do Banco Central, cujo viés é de acompanhar e monitorar a concentração da atividade e, ao mesmo tempo, eventual prejuízo ao cliente consumidor.

Mostrada essa diretriz, quando o Cade procura incrementar o mercado e aumentar a concorrência, em momento algum invade a seara do Banco Central, ou prejudica a atividade creditícia.

O discernimento feito em relação ao consignado e a estrutura do Banco do Brasil, sinalizam que a concentração experimenta efeito detrimentoso ao crédito e ao próprio interessado.

Notadamente, o acompanhamento a cargo do Banco Central do Brasil está focado no mercado de crédito, no risco, e nas operações realizadas sob o ponto de vista de sua função institucional.

Em nada discrepa, portanto, a atuação do Cade para, de forma mais ampla, situar, comparativamente, os valores dos spreads, as taxas de juros cobradas, e o montante mantido em carteira em razão dos consignados e outros investimentos.

Não se pode pura e simplesmente, a pretexto da conotação bancária, preterir a função da concorrência e disseminar regras e fórmulas, as quais se dissociam do mercado concentracionista e das vantagens do acesso ao crédito.

De mais a mais, não nos esqueçamos que o tripé do sistema bancário brasileiro se apoia em poucas instituições estrangeiras, dois conglomerados brasileiros e também dois bancos públicos, a maioria possuindo ações no mercado primário ou secundário.

Fundamentalmente, a intervenção no domínio econômico é regra clássica, dispondo sobre a técnica e o mecanismo das consequências advindas de uma determinada conduta ou um comportamento aparentemente correto, daí porque o Cade não pode, de forma alguma, ficar sujeito ao comando único e exclusivo do Banco Central.

Vislumbra-se que a autarquia federal exerça seu controle primário e direto sobre as operações, analisando o risco do crédito, do inadimplemento, e do próprio calote, quando o BNDES, de alguma forma investe em determinados setores, pequenas e microempresas, colocando o seu crédito na ponta, também podem ocorrer oscilações de taxas, no sentido de não aprisionar a atividade empresarial aos juros bancários elevados.

Imputar responsabilidade ao Cade pela ação de gerir o mercado e de diluir a concentração, inclusive no consignado, não transborda seriedade, e menos ainda, o Banco Central se apresenta com reserva de mercado e exclusividade para tanto.

Conjugadas ambas as atividades, vimos em passado recente que o desabrido intuito do capitalismo financeiro projetou menor regulação dos bancos centrais americano e europeu, sobrevindo crises e a quebra de conglomerados até então sólidos.

A flexibilização regulatória, muito em voga nos tempos que correm, não pode passar ao largo da avaliação macro do Cade, porquanto a ele compete verificar toda a concentração e os aspectos negativos provenientes dos contratos e demais operações creditícias.

De qualquer sorte, a regulação mostra sinais evidentes de benefícios seguros, de clareza e transparência, porquanto se todos os níveis de Basiléia e as demais leis supervenientes não foram capazes de diagnosticar o emaranhado de operações, colocando em risco a atividade bancária, o fator do Cade parece se entrosar com uma visão neutra, contendo variantes a respeito da lenta e gradual consolidação do crédito, porém, sem apresentar distorções ou vantagens de imperfeições de mercado.

Bastam as preocupações da meta inflacionária, da alta do dólar, bolhas de inadimplência, dívidas dos cartões de crédito, liquidações extrajudiciais em andamento para se fortalecer a ideia do papel do Cade interconectado com a concentração do mercado e a fragmentação do crédito.

Em resumo, a esperança que renasce preconiza regulação pelo Banco Central e disposição do Cade na dicção das variantes econômicas, sendo assim, e complementarmente, ambos estarão munidos de fortes instrumentos para debelar a crise bancária e, ao mesmo tempo, evitar que concentrações maiores ou menores enfraqueçam o mercado promissor do crédito.

Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP)

Valor Econômico